março 28, 2011

Diário a Beatriz / dia vinte e três

Não é ainda altura de voltar ao sentimento. Por enquanto devemos permanecer silenciosos no nosso ninho de musgo, abrigar-nos das chuvas cristãs e da rusga de tempestades solares, vender o nosso sorriso barato aos bonecos da televisão, dizer em voz do cume que desprezamos Camões, a sonata ao luar e os amantes voadores. Mas bem no segredo da nossa infância sofrer e esperar que este homem morra.

março 08, 2011

Os que nunca deram nada a ninguém

Há uns "castiços" que são como as lampadas fundidas, só se dá por eles pelos piores motivos.

Dialogo

-Ler é ter acesso ao mundo em segunda mão. Detesto coisas usadas !
-Então não leias.
-E depois onde encontro frases assim, que me fazem pensar ?

Sapo

Uma flor ao nascer vê um sapo e diz-lhe: "És feio como um sapo". Este sabendo que o jardim era dela, contem-se e engole o jardineiro vivo.

Decisão

Na quinta saíu finalmente do quarto. Seis meses a recuperar da queda do terceiro. Decidiu passar a gozar cada segundo, como se fosse o primeiro.

Roupagens

Nascemos todos autênticos. Nus de corpo e nus de espírito. Depois cobrimo-nos, dissimulamo-nos...até que nos vejam apenas as mãos, a cara e um outro sentimento.

março 07, 2011

Declaração de um lápis

E porque me aceitas
tudo
E porque em ti cabe um mundo
E porque ambos fazemos arvores
bonecos poemas
e traçamos arcos iris
E porque adoro a tua pele clara
onde sempre me perco
digo apenas
que te adoro.

Declaração-poema de um lápis á folha branca

Todos somos arvores de fruta

Há mais "nós" na cabeça de uma pessoa, do que numa nogueira.

março 05, 2011

Andar acalma

«Andar acalma. A marcha possui uma virtude salutar. O acto de colocar regularmente um pé à frente do outro, acompanhado pelo balançar cadenciado dos braços, a acelaração do ritmo respiratório, a ligeira estimulação do pulso, as actividades da vista e do ouvido necessárias à manutenção do equilíbrio - são acções que impelem o corpo e o espírito para uma convergência irresistível, permitindo que a alma, por muito atrofiada e traumatizada que esteja, cresça e se expanda.
Foi o que aconteceu ao duplo Jonathan. Pouco a pouco, passo a passo, o gnomo que habitava o corpo do enorme boneco foi crescendo até atingir o tamanho do seu invólucro, preencheu-o, dominou-o e, finalmente, identificou-se com ele.»
[Patrick Suskind em A Pomba]

Agora, depois de calçar umas sapatilhas confortáveis, sigo para a rua, testando se andar acalma o boneco exterior.