Quando telefonou estava a preparar-me para almoçar, daí hesitei mas acabei por atender. Depois dos cumprimentos e de alguma brincadeira apalermada da praxe, esperei que me falasse do que presumia ser mais um episódio da sua vida de D. Juan.
Geralmente não me interessavam os assuntos do coração ou simplesmente dos flirts mais ao menos amorosos, no caso dele uma necessidade extrema de sentir-se querido (um estágio precursor do sentir-se amado) e valorizado inclusive pelos seus predicados físicos. A minha vida tinha há muito um sabor cinzento e de certa forma austero no que respeita a temas frívolos, de modo que só mesmo este peculiar e humorado D. Juan era capaz de fazer-me cogitar efabulações e cenários sobre as suas aventuras, a que não era alheia uma certa perversidade ainda ingénua com que abordávamos los temas calientes. Apreciava sobretudo quando me contava a parte que entregava à sua nova eleita o mesmo poema de sempre do poeta romântico César Britos. Disse-me que tínhamos razão quando concluíamos amiúde que a vida é bonita, tanto no bom como no mau. A sua boa disposição tocava lá no alto, pelo facto de estar, segundo ele, na fase curiosa do amor platónico, o que para ele em grande parte significava a falta de contacto físico. Porém já tinha sido compensado com notas escritas da não menos Dª. Juana com frases arrebatadoras tipo: "Sinto um tremor em cada palavra porque tu vives em cada uma delas".
-Essa é a fase mais bonita -disse, animando-o.
-Talvez, mas eu prefiro a fase seguinte - respondeu mostrando ansiedade.
-Pois! A fase seguinte é a melhor, mas não é a mais bonita.
-Tens razão -disse-me rindo e fazendo-me rir -São duas coisas diferentes. Nunca tinha pensado dessa forma. Talvez o mais bonito não seja o melhor. Eu acho esta fase bonita mas quero é a fase melhor.
Rimos algum tempo. Como de outras vezes o "bonito" tinha sido a nossa simples conclusão sobre um facto da vida. E era sobretudo isso que me fascinava nas nossas indagações. Pensando em conjunto, sem saber se brincávamos ou falávamos seriamente, a união das nossas interpretações tornava possível a total compreensão de qualquer acontecimento. Representávamos algo que nunca tínhamos ensaiado, mas que quase sempre conduzia a uma resolução prática, convencendo um ao outro que a vida era leve - como se o objectivo de atingir o "melhor" fosse um conceito ilusório de nos sentirmos integrados, preparados para a massa existencial. A vida era "bonita", o que pelo menos naquele dia abriu-me o apetite enquanto almoçava mais uma vez só.