novembro 27, 2010

Diário a Beatriz / dia dezanove

E, à medida que os nossos corpos se aproximavam pela convergente lei da atracção, outras forças pontuais mil vezes mais poderosas, posto que infinitamente mais efémeras, despertaram para nos dar conta das circunstâncias do nosso relevo e desse perfil impor a particular história de cedência e coragem do nosso encontro.

novembro 24, 2010

As Sereias de Homero a Picasso

O episódio das sereias insere-se num conjunto de histórias repletas de elementos fantásticos contadas na Odisseia de Homero. É no canto XII que encontramos o relato narrado por Ulisses por altura da sua estadia na Ilha dos Feaces. Julga-se que este tipo de episódios eram conhecidos antes da Odisseia, inseridos na velha tradição poética e mitológica. No mito dos argonautas já se referia que a nau destes, tinha sido a única a sobreviver às sereias. Para os gregos da antiguidade as sereias eram divindades marinhas, representadas com cabeça e peito de mulher e o resto do corpo de ave. Habitavam numa ilha a oeste da Sicília e enfeitiçavam os navegadores com cantos irresistíveis, com a finalidade de atraí-los contra rochedos e provocar a sua morte. A Odisseia diz-nos que foi Circe quem alertou Ulisses para os perigos das sereias, assim como divulgou a estratégia para resistir ao belo canto das sereias, de forma a ultrapassar mais um obstáculo na viagem de regresso a Ítaca. De facto, neste episódio fantástico e simbólico podemos deparar com três primordiais significados.

Num primeiro plano configura-se uma metáfora existencial onde a viagem marítima é a própria vida; neste sentido, o canto das sereias representa as tentações e as distracções que impedem o homem de seguir o seu próprio caminho. Este afastamento significa uma tragédia para o homem, a sua perdição e a sua morte. A lição proposta pela Odisseia, é que o homem deve ignorar de uma forma heróica tudo o que o desvia da sua rota ou do seu destino, protegendo-se do que é belo mas também perigoso, navegando no mar da vida salvaguardando a sobrevivência. Para isso é necessário por vezes ignorar os sentidos, como os marinheiros de Ulisses fizeram tapando os ouvidos com cera. Ulisses, de pé, agarrado com cordas ao mastro, está preso e por isso a salvo. Não seria exagero considerar que o homem agarrado a convicções fortes resiste melhor a encantamentos exteriores, aceita com mais resignação o sofrimento da negação dos mais fortes desejos e das mais desafiadoras tentações.

Num segundo plano (que se afigurou polémico e complexo ao longo da evolução da humanidade), as sereias personificam o elemento feminino, e o canto das sereias traduz as tentações sensuais e a beleza com que a mulher seduz o homem. De facto, a própria definição das sereias nunca foi consensual. Houve quem as visse como divindades e ninfas, mas também como monstros ou demónios. No romantismo prolifera o paradoxo. A mulher é vista como anjo e demónio ao mesmo tempo, no entanto é um ser superior a quem o homem se submete. Como diz Simone de Beauvoir, "o homem preso a seus encantos não tem mais vontade, projecto e futuro; não é mais cidadão, porém apenas uma carne escrava dos seus desejos". Ulisses sente desesperadamente o encantamento da voz das sereias. Quer soltar-se do mastro para abraçar as belas vozes, esquecendo por momentos que o seu objectivo é regressar a casa para ficar ao lado da sua amada Penélope. É por isso, a infidelidade que está em causa, a paixão e o prazer imediato em confronto com o dever matrimonial de fidelidade e da união prolongada no tempo do casal.

Por último é possível relacionar os perigos que as sereias personificam (atraindo os navegantes para os rochedos para aí os engolirem), com os perigos do mar. A viagem de Ulisses decorre no mar mediterrâneo, centro da civilização grega. Um dos maiores inimigos de Ulisses é Posídon, o deus dos mares, interveniente directo sobre as forças da natureza influentes nas condições da navegação marítima. Camões, na epopeia “Os Lusíadas”, relata os feitos históricos lusos tendo como ponto central a viagem de Vasco da Gama para a Índia. Tal como na Odisseia são descritos os perigos do mar belo e traiçoeiro, servindo a intriga entre os Deuses para explicar muitos dos fenómenos naturais a que os mares são propensos. Na Odisseia o canto das sereias é precedido por “uma acalmia sem vento”. Mas não é altura de facilitar. O sossego aparente esconde perigos maiores, os quais não podem ser subestimados pelos marinheiros. O mar é manhoso, difícil de conquistar e domar. Quem adormece e dá-se a facilidades está sujeito à tragédia do naufrágio, fica em eminência de ser engolido pelas ondas e apodrecer no fundo das águas. No entanto o mar é amado pelos marinheiros, principalmente pelos que conhecem e respeitam os seus perigos, as suas severas leis.



Em 1947, numa estadia prolongada na Côte d’Azur, Picasso pintou num mural do actual Museu de Antibes, o tríptico "Ulisses e as Sereias". Esta obra insere-se num conjunto de trabalhos sobre o mediterrâneo e os seus mitos. No centro surge um rosto à frente de um mastro. É possível ver uma vela branca de um barco acompanhada pelos tons azuis das águas serenas do mediterrâneo. Na parte de cima do mural, atrás do barco, vislumbra-se a ilha das sereias e duas máscaras que escondem a identidade das ninfas marinhas. O rosto de Ulisses surge ampliado pelo desejo. Curiosamente tem os ouvidos tapados, a que não é alheia a interpretação irónica de Picasso; para o pintor a tentação que o canto das sereias representava era de tais proporções que nem o Herói grego, mesmo preso por cordas ao mastro, poderia suportar tal encantamento. O herói torna-se mais humano, mais pequeno e limitado. As sereias são representadas por formas de peixe com contornos ondulantes e sensuais e pela figura da ave que expressa o seu canto sedutor. Por todos os lados as sereias envolvem o desesperado Ulisses, que parece cada vez mais aprisionado pela dança dos movimentos sugeridos. Na obra surge um novo Ulisses como herói modernista, talvez mais falível e inseguro, mas não menos ambicioso na sua condição de explorar o mundo complexo da mente humana.

novembro 20, 2010

Diário a Beatriz / dia dezoito

"O homem tem necessidade de amar e a mulher de ser amada" Tolstoi

E quando ela diz, eu amo-te, quer de facto dizer, eu quero que tu me ames.
E então pergunto, a quantos enganos não estará condenada a mulher?

"Vi lá longe o inferno das mulheres" Rimbaud

E aquelas procurando com maior urgência, corpo contra corpo, até o amor passar pela carne como a luz pelo vidro sem deixar sequer uma memória, sem produzir sequer um reflexo.

"Vai e doravante não tornes a pecar" João

novembro 17, 2010

Como se faz para candidatar-se a um emprego no FMI? Haverá mais hipóteses para quem vive perto do local de emprego?

Pensarás no homem dos teus sonhos

Continuo a pensar que não sei se é mau ou bom conhecermo-nos tão pouco. A verdade é que não sabemos nada um do outro. Por um lado é agradável porque assim não se rompe o mistério e continuamos a ser aqueles dois desconhecidos que se encontraram em Vila Praia de Âncora, no verão em que aprendemos que nada é mais poético do que o segredo de um olhar cúmplice e silencioso; por outro lado não podemos ignorar o que os dois de antemão sabemos. Se nos tivéssemos conhecido melhor talvez eu não fosse aquela menina tímida e displicentemente ingénua, nem tu o cavalheiro perfeito e encantador que eu vi pela primeira vez numa praia atlântica. Quem sabe se não será melhor continuar tudo assim, na distância, ainda que em dias melancólicos pareça que me sinto a calcar o mesmo areal límpido e fresco, como se a praia da pequena vila corresse pelo mundo fora e estendesse as pedrinhas mais brilhantes (aquelas que procuravas com as mãos quando da tua boca não saiam palavras), até a porta de tua casa.

Não sei se haverá um dia de todos os que teremos no qual nos possamos encontrar novamente. Também aqui é melhor as coisas ficarem como estão. Gosto de saber que este é o maior sonho da minha vida, ver o teu rosto, abraçar-te, saber de ti. Gosto de imaginar que este sonho condiz comigo por ser simples e grande, por se bastar a si mesmo e ter como sonho um caminho a percorrer.

Não te podia dizer nunca que és o homem da minha vida. Sou avessa a esse tipo de conclusões, como se quando um coração despertasse o fechassem logo, para sempre, numa caixa de sapatos. Mas tenho a lembrança dos contos de fadas que outrora me sossegavam, da menina que fui, dos passeios de pés descalços, dos presentes que abri e guardei, do que era o mar até um dia e noutro dia passar a ser outra coisa. Tenho a memória. E nela o medo de ter guardado na caixa de sapatos sem nunca abrir, o que trouxeste no dia que descobri que no fundo do mar não vivem só peixes e plâncton. E se da caixa de sapatos já nada teu pode sair, sou eu que tenho que entrar e fechar-me nela para resgatar os passos na praia, as ondas do mar, as pedras salgadas que distraidamente escolhias como uma criança solene. O teu amigo dizia que era um género de cerimónia de chá e que tu estavas convencido que arrancavas ervas invisíveis coladas às pedras. Lembras-te? E ríamos todos quando os rapazes encenavam a espera do auge da maré alta, momento no qual fervia o reflexo do sol no oceano, hora fidedigna para preparar o chá e contemplar o entardecer acompanhado de vagas promessas.

Hoje, um sentimento estranho advém dentro da caixa, e eu, descalça, penso nos teus pés a massajar a areia nua da praia de Âncora, como se soubesses que algo de incompreensível e natural em mim estivesse enterrado no campo das areias finas. E o teu antigo silêncio a recolher pequeníssimas pedras fizesse parte de um projecto de uma magnífica sepultura para o amor, que ainda hoje prossegues a edificar em minha honra, na altura do dia que o sol vai alto e desconhece as sombras. Por isso, mesmo depois de arrumar habilmente a caixa de sapatos, concedo a um comportamento não habitual em mim - confirmo levemente com a nuca quando ouço a cigana que me diz que és o homem dos meus sonhos mesmo conhecendo-te tão pouco. Então entendo o poeta que falou de almas insepultas. Entendo a força com que o mar recolhe em cada alvorada o monumento que me leva a pensar em ti como se de um mandamento íntimo se tratasse.

novembro 15, 2010

A concretização do promessa de um ex alcoólico.

Será amanhã apresentado o livro "Os melhores copos de água da torneira do país"

novembro 09, 2010

Delirius.

Sigo a vida daquela folha desde que nasceu. Hoje, ela doente e amarelada, entrou em delírio, dizendo que lhe apetecia voar...

Momento de felicidade

Tamanha frase infeliz, transformou um momento infeliz, de alguém bem infeliz, num momento feliz.

Saudades de terra.

Estava no mar ha cinco dias. Um súbito desejo de pisar terra firme levou-o a enterrar os pés no vaso da planta que levava sempre consigo.

novembro 08, 2010

Pensei que o nosso breve amor tinha terminado. A sua última recordação seria uma distante chamada telefónica pelo Natal. Acreditei que tinha acontecido algo de muito bom na tua vida, que não necessitasses mais do que nos uniu; ou que, talvez vivesses algo de mau e estavas tão triste que não tinhas vontade de escrever. Não sei. Dei voltas sem fim e coloquei muitas hipóteses mas não cheguei a nenhuma conclusão satisfatória. Melhor, cheguei a uma, e essa talvez já a soubesse antes: que passasse o que passasse, mesmo que o tempo ditasse a sua lei, iria sempre recordar-te como o rapaz do sorriso mágico. O rapaz que só de olhar para mim fazia-me sentir bem, porque olhava de uma terra inteiramente desconhecida, mas que ainda assim era segura, como uma casa que atrai e acolhe com lírios os viajantes cansados.
Apesar que reconheço que mantive sempre a esperança de que um dia, uma carta tua, chegasse de novo às minhas mãos. E dentro das mãos, dentro de mim, nas marcas das palavras, pudesse olhar desenhado o palpitar nas covas do teu rosto, sonhando que precisasses da minha mediação para que o teu sorriso mágico nunca acabasse.
Diário a Beatriz / dia dezassete

(Esperar pelo que não vem)

Haverá alguma cadeira neste mundo onde se possa sentar para esperar o que não vem? Eu não quero acreditar, mas sou quem diz o que vem e o que não vem, não quero admitir mas a única matéria que me toca é o sonho, porque tudo o resto está definido, tudo o que sobra está morto e dorme nas minhas mãos o último barro da criação, esta terra ausente que me expatriou assim que perdi o meu berlinde de criança.

novembro 07, 2010

Viagem invisível

O optimista sabe que mesmo morto e enterrado, nao deixará de fazer uma fantástica (e gratuita!) viagem á volta do Sol todos os anos.

Escritor: um caçador de palavras

Aquela palavra fugiu-lhe até onde pôde, mas extenuada, acabou aprisionada na sua frase.

Lanterna que vai á frentre.

A mulher, em muita coisa, está 5 séculos á frente do homem. Mas o mêdo e o espírito maternal, fazem-na esperar por nós.

novembro 06, 2010

"A verdade é uma coisa perigosa, pois é precisamente quem se acha na sua posse que se encontra também na possibilidade de mentir."

novembro 05, 2010

O homem possui dentro de si a ânsia ardente do absluto que sendo a pedra mais inabalável da sua existência acaba por ser também a sua identidade. Ora o absoluto do amor apenas se consegue com a traição, o da paz com a guerra, o da fé com o niilismo, o da esperança com o desespero. E se é este o caminho do homem, não há-de emergir para si qualquer apaziguamento enquanto não perscrutar este todas as respectivas funduras.

novembro 04, 2010


Vivemos numa era de enganos, de sombras, em que se procura ver o invisível pela luneta da criatividade, em que se pretende conquistar a dimensão espiritual do homem por intermédio do símbolo. No entanto, não terá sido sempre assim? O que é a humanidade mais que a desilusão de lidar com a sua ausência?