Num primeiro plano configura-se uma metáfora existencial onde a viagem marítima é a própria vida; neste sentido, o canto das sereias representa as tentações e as distracções que impedem o homem de seguir o seu próprio caminho. Este afastamento significa uma tragédia para o homem, a sua perdição e a sua morte. A lição proposta pela Odisseia, é que o homem deve ignorar de uma forma heróica tudo o que o desvia da sua rota ou do seu destino, protegendo-se do que é belo mas também perigoso, navegando no mar da vida salvaguardando a sobrevivência. Para isso é necessário por vezes ignorar os sentidos, como os marinheiros de Ulisses fizeram tapando os ouvidos com cera. Ulisses, de pé, agarrado com cordas ao mastro, está preso e por isso a salvo. Não seria exagero considerar que o homem agarrado a convicções fortes resiste melhor a encantamentos exteriores, aceita com mais resignação o sofrimento da negação dos mais fortes desejos e das mais desafiadoras tentações.
Num segundo plano (que se afigurou polémico e complexo ao longo da evolução da humanidade), as sereias personificam o elemento feminino, e o canto das sereias traduz as tentações sensuais e a beleza com que a mulher seduz o homem. De facto, a própria definição das sereias nunca foi consensual. Houve quem as visse como divindades e ninfas, mas também como monstros ou demónios. No romantismo prolifera o paradoxo. A mulher é vista como anjo e demónio ao mesmo tempo, no entanto é um ser superior a quem o homem se submete. Como diz Simone de Beauvoir, "o homem preso a seus encantos não tem mais vontade, projecto e futuro; não é mais cidadão, porém apenas uma carne escrava dos seus desejos". Ulisses sente desesperadamente o encantamento da voz das sereias. Quer soltar-se do mastro para abraçar as belas vozes, esquecendo por momentos que o seu objectivo é regressar a casa para ficar ao lado da sua amada Penélope. É por isso, a infidelidade que está em causa, a paixão e o prazer imediato em confronto com o dever matrimonial de fidelidade e da união prolongada no tempo do casal.
Por último é possível relacionar os perigos que as sereias personificam (atraindo os navegantes para os rochedos para aí os engolirem), com os perigos do mar. A viagem de Ulisses decorre no mar mediterrâneo, centro da civilização grega. Um dos maiores inimigos de Ulisses é Posídon, o deus dos mares, interveniente directo sobre as forças da natureza influentes nas condições da navegação marítima. Camões, na epopeia “Os Lusíadas”, relata os feitos históricos lusos tendo como ponto central a viagem de Vasco da Gama para a Índia. Tal como na Odisseia são descritos os perigos do mar belo e traiçoeiro, servindo a intriga entre os Deuses para explicar muitos dos fenómenos naturais a que os mares são propensos. Na Odisseia o canto das sereias é precedido por “uma acalmia sem vento”. Mas não é altura de facilitar. O sossego aparente esconde perigos maiores, os quais não podem ser subestimados pelos marinheiros. O mar é manhoso, difícil de conquistar e domar. Quem adormece e dá-se a facilidades está sujeito à tragédia do naufrágio, fica em eminência de ser engolido pelas ondas e apodrecer no fundo das águas. No entanto o mar é amado pelos marinheiros, principalmente pelos que conhecem e respeitam os seus perigos, as suas severas leis.
