dezembro 14, 2011

dezembro 12, 2011

Ilógica de mercado

Vendeu-se. Passou
A ser cotado, a ter valor
A ser coitado, a ter pavor
Mais-valia ou menos-valia
Mais um dia - conferir a actualização
Da mentira, dos dados viciados,
Das promessas renegociadas

Vendeu-se com a loucura dissimulada na etiqueta
De olho nas voltas do mercado da venda e revenda
Atento à troca, à oportunidade de comprar-se
Em auto-liquidação ou insolvência judicial
Talvez chegar a acordo com os enganados para
Refundar o Eu-produto ao mistério dos sinais
E confinar o Eu-serviço à realização da fuga

dezembro 06, 2011

Sigur Rós

Gota a gota, nota
o esvaziar do copo
à medida que regressa
à medida vazia, sobe,
num chamamento vago
um contentamento interior
na transparência da música;
massa quieta do infinito

novembro 03, 2011

Ausência

Sem ti as palavras são mudas
E não estás
Se estivesses eu mudaria

Sem ti não são bonitas
Com as palavras ao nosso cuidado
Inventávamos lado a lado
sem interesse pelas aparências

Cuidar-te na noite de ninguém
Seguir no teu corpo um novelo de lã
Até ao sol da manha
E não acordar cansado

Avulta a medonha falta
A luta acorda o abandono
A culpa pela ausência que te persiste.

Liberta com o punhal a palavra presa
Mesmo que a ponta afiada do desejo
Viva a dor que é livre em mim
E só o amor fique ileso

Mas de escapar não te iludas se ficares para trás
As palavras que contam não contam
As nossas histórias
E as outras são tuas e mudas
Todas, porque tu não estás

setembro 23, 2011

Diário a Beatriz / dia vinte e nove


Por vezes são tantas as ofensas e o medo, inexplicáveis, porque a maior ausência de sentido é a existência de vários que, ao nos encontrarmos assim rodeados pelo nosso egoísmo, todos esses sentidos inúteis, somos bem capazes de no desespero de uma fuga absurda oferecer o coração ao punhal e fechar os olhos à luz.

setembro 07, 2011


Diário a Beatriz / dia vinte e oito


Assim que claridade do dia nos permite distinguir o fim erguemo-nos do nosso leito de esquecimento e como medo irrompemos pelos caminhos contra a transparência da realidade. Nunca saberemos, por mais que se o afirme e procure e negue e ignore, nunca. E no entanto continuaremos a sentir que sim, mesmo quando não. A sentir que sim e a olvidar o que não, porque são inúteis as respostas, ainda mais as definitivas, para quem quer viver para sempre.

agosto 29, 2011

Corpo Espiritual

Há um poço exilado no meu ser.
Escurecido, fugidio, ainda assim o sinto,
como se a réstea da minha alma
fosse uma crescente visão
impregnada do labor do faroleiro
seguindo à frente da tua busca
de contornos e pontos fixos.


Há na profundidade do teu corpo
como se move, como descansa,
como se espelha em modelos despidos,
uma razão para não ter pressa
em recuperar os sentidos.

Há no vagar dos corpos
a antiga consciência de refazer a luz.

julho 13, 2011

a ideia de deus:
uma redoma de terra
em berço assente no húmus
e florescer a cada manhã água,
crianças, árvores, animais,
no olhar contente, brilha o sol
nas mãos abertas, o vento
em esperança, as estrelas

do centro da esfera,
o seu coração brota raízes
que a faz girar todas a manhãs
em festividade de carrossel

julho 02, 2011


Diário a Beatriz/ dia vinte e sete


Deparo-me no crepúsculo com a evidência do tempo e ouço a profunda melodia que desde o início é oferecida a todos os homens. Não é necessário partir, nem tão pouco achar poesia para as coisas. Há uma paz derradeira que nos tenta mas que preferimos adiar em proveito de uma melancia degustada contra a distância do horizonte. Deus não existe, e assim escolheu por dessa forma acontecer mais do que se existisse. Afinal é do inútil que vive o essencial.

junho 29, 2011

poeira na estrada

Ha algo de absolutamente rebelde num idoso a conduzir numa estrada de terra: quando mais anos mais lhe assapa...mais o carro se atravessa e o pó levanta...não sei se de deve a perda qualidades conduçao e controlo veiculo, se a perda da noçao do risco, se pura loucura, ou simplesmente... para mostrar ainda quem manda....sei que tem algo de poético e que portanto, me agrada.

junho 22, 2011

Passear

A gravidade deveria meter folga aos Domingos, para podermos passear pelos tectos.

junho 20, 2011

Diário a Beatriz / dia vinte e seis

Evocando o meu passeio matinal pelos terrenos da história vejo camaradas caídos sob o peso incorpóreo dos ideais. As ervas daninhas alcançam sempre irromper de um olhar, de um pulso, de um peito, e o joio cresce da fé dos cadáveres como a infância dos sonhos. Despojados. O mundo levou-lhes tudo de humanidade. Os lenços, as cigarreiras, as navalhas, os cintos, os botões. E de homens ficaram-lhes apenas as órbitas cegas, as pernas decepadas, os braços amputados, as estrelas no céu. Caminho pelo atalho dos corvos e sigo lendo com tristeza as bandeiras derrubadas como se fossem epitáfios. Liberdade, justiça, paz, perdão. Versos desprezados pela lira de Deus que eles escutaram por amor às mulheres. E apenas se pode dizer que os poetas são os verdadeiros assassinos.

junho 12, 2011

Fecho 478

A pior coisa que uma pessoa pode dizer-me é «Quero que me surpreendas». Pior para ela. Eu fico um pouco triste por ela. Além de um faz de conta inocente não devíamos tolerar comportamentos destes. Então quando acontece no universo dos amantes é motivo de arrepiar. Consegues entender porquê? Mas deve haver uma idade para tudo e como dizia Thoreau admito que vivi.

junho 11, 2011

Fecho 479

A vida é rara e andamos todos desejosos de aproveitar. Aproveitar como e o quê? Estaremos realmente a perder mil e uma coisas? Alguns escolhem dormir pouco porque não tem tempo para perder, outros sentem que são recompensados quando dormem muito. Muitos zangam-se com os seus pares quando estão de férias ou quando realizam viagens aguardadas com expectativas fartas porque não toleram que o tempo idílico esperado durante grande parte do ano seja perturbado. Talvez a sociedade devesse organizar-se de maneira a possibilitar a cada pessoa um conjunto aceitável de realização de vontades pelo menos um dia no ano, satisfazendo inclusive caprichos que não abalassem sumariamente as leis dos homens.

Pela minha parte fico ansioso quando estou com alguém extremamente preocupado em aproveitar o momento que nos ocupa – é sinónimo de incomodidade para o meu lado. Se não fosse por receio do conflito deixaria o companheiro ir à sua vida aproveitar como mais lhe conviesse, livrando-me do desconforto dos seus anseios imediatos. Faço parte por natureza daqueles que não se sentem obrigados a servir-se da extensa variedade de prazeres, não querendo que confundam com a ideia de que não sou propenso a vícios e paixões. Se há algo que me satisfaz é ficar distraído na medida que o tempo pára e o movimento à minha volta responde à velocidade que estou ligado. Nesse quase sempre inesperado e lucrativo momento é possível que dê azo a algum tipo de irresponsabilidade fruto da distorção a que o tempo fica sujeito. Não esqueço que por uma vez ou outra encontro-me na tentação de fazer o que me apetece. Nessa altura tenho uma solução – estar só, estado que ninguém de boa fé poderá negar ao seu semelhante.


junho 10, 2011

Fecho 480

Ai se pudéssemos contar todos os sonhos e visões já soprados nas alvoradas dos tempos. Espantados ficaríamos com tantos enganos. Mas um não. Um que traz todos não é engano. É o próprio sopro. É o ar enluvado a dar conta de si. É a vida que não parte de nós. Tem de ser a vida para a qual fomos convidados. Deus existe e não existe e não anseio confirmar que Deus existe e não existe mas ter por certo que sou eu que digo isto. Se a fina película disfarçada de adaptável sombra protege é porque há uma forma para salvaguardar. Um sopro é o que vem de Deus para o homem que nenhuma treva pode abafar. Às vezes, quando sonho que existem milhões de deuses e um só homem, basta-me ser um deus, como os que não precisam de possuir espaço para a voz. Como aqueles - que certamente deste conta nos dias que escutaste o vento - se derramam no próprio sopro.

Viver é provar que estamos vivos. E senão o soubermos demonstrar nunca acabaremos por nascer. Tudo não passará de uma simulação que não verá a luz do dia ou de um convite personalizado que não chegou a ser impresso. Não interessa que procure o pulsar da vida imitando aquele que teve de nascer para estar mais perto do nada factual. Tem de ser.

junho 09, 2011

Fecho 481

Começa-se por ser ou acaba-se por ser?
Há degraus? Pontos de existência? Quando olho as estrelas parece que sim.
Chegará a tempo de voltar a ser quase nada aquele que tanto se distrai a viver?
Recorrendo na desilusão de não estar apto para exprimir o que seria a visão fundamental, o chão de qualquer instante conduz-me num redemoinho para um depósito de sementeiras queimadas. É por causa da noite imposta ao sonho de tempos imemoriais que o meu Ser empalidece no cativeiro. Mas no silêncio só possível de afinar no fim da noite, a causa antiga acende-se na loucura, agora cristalina e centrada, remexendo tudo aquilo o que pensava estar destinado a alinhar-se, ou finalmente a esquecer-se.

Um pouco mais de paciência. Somos mais na última nota. Sentimos mais porque nunca tivemos tão pouco. E se formos caçadores da nossa alma não passaremos fome, nem cometeremos crime um dia de caça que seja. Não teremos vergonha quando a presa for mais lesta. Não negaremos a vida por mais que a morte seja a nossa viciada lança. Não sossegaremos mesmo que a ponta envenenada do espelho do real retire o brilho da estrela pessoalíssima que nos serve e cuida.

Somos uma coisa em comum que persegue a alma de cada um.
Somos filhos gratos do desassossego. Seja como fôr cobrimo-lo de louvor.


maio 31, 2011

dia aberto

e quando chegou o dia fechado
ousei decretar feriado corporal
na campa de terra deste cemitério
fiz mirrar a minha pele exangue
aberta todas as horas do dia
e as raízes, ténues e originais,
como as veias de sangue puro
furaram a pele, uma a uma,
até me tornar árvore lisa e branca
e do meu tronco sair um cordão

foi um sonho,
senti do umbigo,
Deus só criou os dias abertos
Diário a Beatriz / dia vinte e cinco


Infinita Beatriz, estes tempos que se fizeram da saudade que te escrevi ontem, cresceram afinal o oceano de esperança que hoje nos afasta, e porque algo do teu silêncio se revela agora num esquecimento, contra o epílogo sublime das vagas, todo o meu corpo se desmorona a chamar-te onde estás, pois nem marejado pelo crepúsculo das águas profundas nos olhos te consigo já distinguir na lonjura que antes foi a distância perfeita do meu coração.

peço um livro

peço um livro
que me devolva
as águas do ventre
não me rebente
as paredes da casa
me envolva no tapete
e me segure de abrir a porta
todos os dias da minha vida
peço um livro umbilical

maio 30, 2011

o ponto negro

estive mesmo para te tirar esse ponto negro

mas tu: não, meu deus, que deve doer

dor a sério é a que trago nos olhos

que se estalagmita por teimosia

na luz cavernosa do que não é

é só mais um ponto no meio dos outros

e tu até és achacado a essas porosidades

mas porque incomoda tanto esse sinal

à aura branca e luzidia do meu corpo?

fácil e dura a resposta: é um pontinho,

um início de negrume impercetível aos demais

ou um ponto final da maldade que te habitou

e que importa isso?, perguntam as outras,

afinal ele é o mais alto, bonito e viajado

mas a mim a resposta persegue-me:

é o teu corpo que esse ponto pinta

maio 27, 2011

a terra

no dia em que o chão se levantar
haverá um atropelo de borboletas